Comunicação e Protocolo, instrumentos de paz em cenário de guerra
O contexto
O ano de 2022 fica, indelével e nefastamente, marcado pelo regresso da guerra à Europa, decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia, com todas as terríveis consequências daí provenientes para a Humanidade.
Volodymyr Zelenskyy, Presidente da Ucrânia desde abril de 2019, vem consolidando uma indiscutível liderança nacional e, sobretudo, internacionalmente, assente num estilo muito pessoal (naturalmente não por todos apreciado), ajustado aos novos tempos. A comunicação é, inquestionavelmente, parte integrante da sua imagem de marca. Observamos que o Presidente Zelenskyy revela um competentíssimo domínio desta ferramenta (nos seus múltiplos canais e formas) e a utiliza como componente preferencial e preponderante na sua estratégia de liderança. A proximidade, a acessibilidade, a simplicidade, a autenticidade, a concisão, a afetividade, a capacidade de conectar com as diferentes audiências, o ajuste às diversas mensagens, o domínio das redes sociais, são apenas algumas das suas características de eficiente comunicador.
Treinado e habituado, desde os seus tempos de ator e comediante, a ser alvo de atenção, comunica verbal e não-verbalmente com as suas audiências de forma totalmente apropriada ao seu contexto de Presidente de uma nação em profundo sofrimento, revelando um total domínio da voz, da linguagem corporal, da postura, da presença visual, do impacto dos cenários, das técnicas de Protocolo.
Sim, também das técnicas de Protocolo. Instrumento de paz e de diplomacia, que tem como principal objetivo criar contextos de harmonia que favoreçam o bem-estar, o entendimento, a negociação. Protocolo, invariavelmente ao longo dos tempos conotado com situações de natureza social (e, por vezes, até desqualificado através da associação a alguma futilidade ou pompas e circunstâncias aparentemente incompreensíveis), mas também aqui, em cenário de guerra e de destruição, utilizado como importante instrumento de comunicação.
A Ucrânia e os seus Símbolos Nacionais
A Ucrânia é um país localizado no leste europeu, o segundo maior deste continente depois da Rússia. Tem como capital Kyiv, nas margens do rio Dnieper, no centro-norte do território.
Emerge enquanto Estado totalmente independente só no final do século XX, após longos períodos de dominação sucessiva por parte da Polónia, Rússia e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Quando a União Soviética se começa a desintegrar em 1990-91, é declarada a soberania (16 de julho de 1990) e, depois, a independência total (24 de agosto de 1991), um movimento que foi confirmado pela aprovação popular num plebiscito (1 de dezembro de 1991). Integra a ONU desde 1945.
A grande maioria da população fala ucraniano (língua que utiliza uma forma do alfabeto cirílico) mas o russo é a língua de cerca de 30% dos habitantes. Enquanto língua eslava, o ucraniano está intimamente relacionado com o russo, mas também apresenta semelhanças com o polaco.
A religião predominante na Ucrânia, praticada por quase metade da população, é a Ortodoxa Oriental. Historicamente, a maioria dos crentes pertencia à Igreja Ortodoxa Ucraniana – Patriarcado de Kyiv, embora o Patriarcado de Moscovo também seja importante. O Protestantismo e o Catolicismo Romano são minoritários.
A população (aproximadamente 50 milhões de habitantes), reside maioritariamente em áreas urbanas.
O país é extremamente rico em recursos minerais, possuindo uma grande indústria de ferro e aço. Detém grandes áreas produtoras de gás natural e petróleo. Em parte, devido à riqueza dos seus solos e ao clima, a produção agrícola da Ucrânia é altamente desenvolvida, designadamente em cereais e batata.
Os Símbolos Nacionais do Estado Ucraniano, consagrados na Constituição, são a Bandeira Nacional, o Hino Nacional e o Brasão de Armas.
A primeira Bandeira Nacional da Ucrânia foi adotada em 1848, sendo composta por faixas horizontais iguais de amarelo sobre azul. No final de 1918, as riscas da Bandeira foram invertidas de modo a refletir o simbolismo do céu azul sobre campos de trigo dourados. Em 1949, sob o regime comunista, a Ucrânia passa a ter uma Bandeira diferente, que dura até à sua independência em 1991, quando é então substituída pela atual, azul e amarela, em 28 de janeiro de 1992.
O Brasão de Armas Ucraniano (tridente ou tryzub) tem uma longa história, que reflete eventos heroicos do passado, consistindo numa faixa de guerreiros ucranianos protegendo a soberania e a integridade territorial da Ucrânia. Foi consagrado como Símbolo Nacional na Constituição em 1996.
Imagem protocolar em cenário de guerra
- Verifica-se que, tanto nas comunicações mais formais, como nas mais informais, o Presidente Volodymyr Zelenskyy se faz quase sempre acompanhar da Bandeira Nacional, do seu lado direito e, por vezes, também da Bandeira com o Brasão de Armas. Sempre, ambas, em impecável estado.
- Na oralidade, o Presidente Volodymyr Zelenskyy trata os membros da sua equipa pelo primeiro nome e num registo sem formalidade, o que transmite proximidade e solidariedade, além de apoio.
- Em encontros de trabalho, o Presidente Volodymyr Zelenskyy reúne no sistema protocolar de presidência francesa, isto é, ocupando o centro da mesa e tendo o seu interlocutor direto à sua frente. Este sistema de presidência beneficia, pela proximidade, a comunicação, sobretudo a observação e análise dos aspetos não-verbais (olhar, micro expressões faciais). Refira-se, igualmente, que este sistema de presidência francesa a que Zelenskyy maioritariamente recorre contrasta, gritantemente, com o sistema de presidência inglesa quase sempre escolhido por Vladimir Putin (por exemplo, recordem-se as mediáticas reuniões entre este e alguns líderes mundiais, como o Presidente Emmanuel Macron, ou o Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres).
- Desde o início do conflito armado em 24.02.2022, Volodymyr Zelenskyy não voltou a apresentar-se publicamente vestindo fato e gravata, ou qualquer outro vestuário protocolar. Com efeito – e talvez seja este o aspeto protocolar mais mediaticamente notado – Zelenskyy passou a usar vestuário informal, mas com clara associação ao militar: as cores (verde tropa e preto) e os modelos (calças de sarja e blusões com inúmeros bolsos, t-shirts, casacos polares, ténis ou botas) que mais o fazem parecer um soldado em batalha, numa clara mensagem de “Eu sou um de vós, eu estou convosco e também estou em luta.”. Com a chegada do tempo frio, Zelenskyy tem usado uma camisola verde tropa que tem gravada o Brasão de Armas do seu país e também uma preta com a inscrição “I’m Ukrainian”. Também aqui, a imagem do líder ucraniano contrasta brutalmente com a imagem dos líderes russo e bielorrusso, que continuam a vestir os seus impecáveis fatos escuros, as suas imaculadas camisas brancas, as suas elegantes gravatas de seda, transmitindo uma mensagem que pode ser interpretada como “Eu mando, eu decido, mas não me envolvo.”.
- Com os seus concidadãos Zelenskyy fala em ucraniano. Contudo, quando se dirige aos soldados russos, Zelenskyy expressa-se em russo. Novamente, imperam os valores comunicacionais de proximidade e empatia.
Visita oficial do Presidente Zelenskyy aos EUA
O Presidente da Ucrânia deslocou-se, em visita oficial, aos Estados Unidos, em 21.12.2022, numa operação marcadamente ultraconfidencial e rodeada por inimagináveis medidas de segurança.
Partindo num avião militar norte-americano, desde Rzeszow, na Polónia, a viagem de Zelenskyy destaca-se pelo extremo perigo que envolve a deslocação do Chefe de Estado de um país em guerra. Contudo, dado que não se haviam ainda encontrado pessoalmente desde o início do conflito armado, ambos os Presidentes estavam dispostos a correr o risco e, sobretudo Zelenskyy, a sair da Ucrânia, pela primeira vez, desde o início da guerra (a deslocação ao estrangeiro imediatamente anterior havia sido à Alemanha, em fevereiro de 2022).
Em Washington, reuniu-se com o Presidente dos EUA, Joseph Biden, para discutir a cooperação entre ambos os Estados, sobretudo quanto ao reforço da resiliência e das capacidades de defesa da Ucrânia na luta para restaurar a sua integridade territorial. O Chefe de Estado Ucraniano também proferiu um discurso numa sessão conjunta das duas câmaras do Congresso norte-americano e realizou várias reuniões bilaterais.
À chegada a Washington, o Presidente Zelenskyy foi recebido, de acordo com a prática protocolar, à saída do avião, pelo Embaixador Ucraniano e pelo Chefe de Protocolo da Casa Branca. Note-se que, mesmo numa situação como esta, claramente protocolar, Zelenskyy continua a usar o mesmo tipo de vestuário que o caracteriza na atualidade (tal como aliás os membros do seu staff que o acompanham). À porta da Casa Branca é recebido pelo Presidente Joseph Biden e pela Primeira Dama Jill Biden.
Aspetos simbólicos
Esta visita oficial ocorre 300 dias após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O discurso de Zelenskyy no Congresso norte-americano acontece 81 anos após Winston Churchill ter atravessado o Atlântico para, também ali, discursar, apelando diretamente aos políticos americanos em busca de ajuda, como referido por Nancy Pelosi: “Outro líder histórico se dirige ao Congresso em tempos de guerra, com a própria democracia em jogo”.
Aqui, o Presidente Volodymyr Zelenskyy oferece uma Bandeira Nacional Ucraniana assinada por soldados, que a Vice-Presidente Kamala Harris e a Porta-Voz Nancy Pelosi exibem durante o seu discurso. Recebe uma Bandeira Americana que havia estado hasteada no Capitólio.
O Presidente e a sua comitiva ficaram hospedados em Blair House, onde estava hasteada, também, uma Bandeira Nacional Ucraniana.
Blair House é o espaço onde são recebidos os convidados oficiais do Presidente dos EUA. Esta casa situa-se em Pennsylvania Avenue, muito perto da Casa Branca. Ao longo dos anos tem recebido centenas de ilustres visitantes, no âmbito da intensa e complexa política internacional dos EUA. Blair House não está aberta ao público.
A Casa é gerida por quatro departamentos do Estado: Protocolo, Segurança Diplomática, Gestão de Instalações e Gestão de Património. Em Blair House os convidados são recebidos à porta pelo Diretor e o staff da Casa desenvolve todos os esforços no sentido de proporcionar às mais altas individualidades que aí são acolhidas inexcedíveis condições de conforto. Não é obrigatório que os convidados da Casa Branca se hospedem em Blair House, contudo a maioria aceita o convite por razões de localização, privacidade e, sobretudo, segurança. Além disso, ser convidado pelo Presidente dos EUA a hospedar-se em Blair House é uma honra e símbolo de boas relações diplomáticas entre os países do anfitrião e do convidado.
Conclusão
Durante uma guerra, as operações militares e humanitárias são, evidentemente, o cerne das preocupações, passando a diplomacia, a comunicação, o protocolo para um plano muito secundário, contudo complementar.
Neste sentido, a comunicação e o protocolo usam-se, fundamentalmente, com o propósito de atingir objetivos relacionados com o conflito armado, como por exemplo o reforço de alianças, a captação de recursos vindos dos estados simpatizantes com a causa bélica, a pressão sobre os estados neutros, a conquista da opinião pública internacional.
O cerimonial e o protocolo são, além de importantes instrumentos de diplomacia, também instrumentos de comunicação, desde sempre considerados de grande importância, importância esta que, na atualidade, ainda mais se consolida tendo em conta a sociedade mediatizada e digital em que vivemos.
Através das práticas e técnicas protocolares transmitem-se ideias, posições, decisões e, sobretudo, mensagens subliminares que visam atingir determinados objetivos junto do grande público em linha com interesses de índole política.
Comunicação e Protocolo em cenário de guerra: a simbologia das formas, a voz, a imagem, a mensagem, elementos utilizados pela nação Ucraniana também para apelar à Paz.
Cristina Fernandes & Susana de Salazar Casanova
(Este artigo foi escrito para publicação na edição nº 45 da revista Event Point, de janeiro de 2023, podendo esta ser consultada em https://www.eventpointinternational.com/revistadigitalnacional45/#page=1, estando o artigo nas páginas 92 a 99).
Anabela Ferreira
É sempre um enorme gosto acompanhar o seu trabalho, feito com rigor e conhecimento,
Muito obrigada, Dra Cristina.